Wednesday, March 23, 2005

1. A primeira palavra

O telefone tocou. “Olá!”, disse a voz conhecida, amistosa e alegre. Era o primeiro dia de alegria depois do luto. “Vamos tomar um sorvete?”, perguntou. A frase saiu leve e solta: “Claro”, respondi.
Telefone desligado, mulher no espelho. Perfume atrás das orelhas e nos punhos, chegou o visual. Continuou o que estava fazendo, levemente intrigada pelo súbito interesse depois de tanto tempo.
Vinte minutos depois, o interfone tocou. Ela desceu tranqüila na saia preta e na camiseta de girafa. Entrou feliz no carro estacionado na porta de casa. Encontraram-se. Alegria, leveza, carinho, sorriso. Os olhos brilharam.
No carro, a dúvida ficou: onde vamos tomar sorvete à meia-noite? Susto! Ela não tinha se dado conta da hora. A velha rua, tão conhecida, se tornou estranha. Os dois foram conversando Haddock Lobo abaixo. Dois velhos amigos se revendo...
Ele: uma idéia...
Ela: o quê?
Ele: surpresa
O carro, todo batido, sujo, caindo aos pedaços, parou na porta do hotel Unique. Ela sorriu. Rumo ao céu, comentários são roupas, carros, a diversão de parar num lugar como aquele com aquele carro, vestido com a primeira roupa que achou, sem banho... No bar, a velha luta por espaço numa sexta à noite. Nenhum lugar vazio, só no deck. Apesar da vista encantadora, da piscina incensada pela Wallpaper, uma brisa fria e constante colocou a friorenta mulher pra dentro das paredes envidraçadas. Os dois conseguem uma mesa no restaurante. Ele pede um prosecco, investiga o cardápio. Vegetariano, acaba com uma pizza minúscula e cara, mas interessante. Eles bebem uma garrafa, vem outra. Ela sorri, os olhos brilham, eles contam suas histórias, dividem conquistas, falam de sonhos, fazem um balanço do ano. Os pulsos se entrelaçam, a atração fica solta com o álcool e a alegria. Pertinho, eles trocam um beijo na boca, a velha falsa intimidade se refaz, rápida, como se nunca tivesse deixado de existir. Ele chama e ela vai.