Wednesday, March 23, 2005

2. Seguir passos

Era um hábito. Gostava da tal “última palavra”. Há tempos uma sábia amiga sábia já havia avisado: o importante é a primeira palavra. Ela tem a força de mudar direções, inventar novos caminhos. A informação ficou ali, como um livro que às vezes acena da estante, a pedir releitura. Uma experiência tomando pó na estante da memória.
Sua vida seguiu. Trabalhos, encontros, desencontros, amores e desamores foram criando camadas, inventando jeitos, criando corpo. Fez amigos, criou raízes, juntou gatos. E, um dia, se encontrou com um homem aos pedaços.
O amigo virou namorado, que virou ex-namorado, que virou namorado, que virou ex-namorado. Ela, a bela, a cada encontro ficava feliz por (finalmente) achar o amor. Vestida com roupa de alma gêmea, enrolada no xale do querer acertar, movida pelo sonho de, finalmente uma família, rendeu-se.
No reencontro, alegria. Tropeço e choro. Pulso, pulso, pulso. Beijos, abraços, danças. Encontros, muitos encontros. Tropeço de novo – e peço um tempo. Continuo tentando alcançar os passos largos, sigo atrás, como se fosse um corpo sem alma, uma alma sem objetivo, um ser sem vontade.
Quero mas não manifesto. Não encontro dentro de mim os gestos, as falas, um vazio espichado, encravado. Tento dançar – mas depois de certa altura, tem um quê de competição. Falta chão, falta informação, não há comunicação, nenhum tempo em comum.
A vida atropela, rápida, a necessidade de solidão. Medo de me entregar – ele já me largou uma vez, diz o aviso no pano de fundo... Tem coisas que ninguém esquece, mesmo querendo.